CÉLULAS PROCARIÓTICAS

 

 

Os organismos formados por células procarióticas designam-se por procariontes, agrupam-se no Reino Monera e são conhecidos pela designação geral de bactérias (do gr. : bakterion, pequeno bastonete). Foram estes organismos que protagonizaram as primeiras etapas da evolução dos seres vivos. Os registos fósseis mais recuados datam de 3,46 milhões de anos. Nessa época, a vida microbiana já era representada por cianobactérias filamentosas, e a diversidade deduzida a partir dos registos fósseis, conduziu a identificação de 11 taxons diferentes.

No plano morfológico, as bactérias apresentam uma enorme variedade de formas e dimensões. Podem ainda viver isoladas ou formar colónias de células mantidas agregadas depois de se dividirem. Contudo, a despeito dessa variedade, é possível encontrar uma unidade anatómica.

No que se refere aos regimes de vida e ao metabolismo energético, encontram-se bactérias que mantêm o regime heterotrófico exclusivo, tal como certamente foram os primeiros seres vivos. Outras, fotossintetizantes, são autotróficas, como as bactérias verdes e as púrpura. Em ambos os grupos, existem espécies sulfurosas (que oxidam o sulfureto de hidrogénio) e outras que oxidam outras moléculas, mas nunca a água.

As cianobactérias situam-se seguramente entre as mais recentes, na escala evolutiva: o seu mecanismo de fotossíntese incorpora o sistema que permite efectuar a oxidação da água, tendo como consequência a libertação de oxigénio. Algumas das espécies fotossintetizantes são também, cumulativamente, heterotróficas. Algumas, mantêm-se obrigatoriamente anaeróbias. Outras, pelo contrário, são aeróbias, e possuem todo o equipamento enzimático que lhes permite efectuar a respiração celular

 

Anatomia da célula procariótica

 

As bactérias apresentam uma extraordinária variedade de formas e a anatomia ultrastrutural da célula reflecte a diversidade de regimes de vida e de metabolismos energéticos. Seria fastidioso, no contexto em que se inserem estas lições, enveredar por uma descrição pormenorizada. Assim, abordaremos a anatomia da célula bacteriana, descrevendo as principais estruturas existentes nas diversas classes, referindo a função que lhes assiste.

Quanto à forma que o corpo celular pode apresentar, distinguem-se, grosso modo, quatro modelos:

a: cocos; b: bacilos; c: espiroquetas; d: vibriões

 

A célula bacteriana possui, como qualquer célula viva, um genoma, um citoplasma e uma membrana plasmática. Com excepção dos micoplasmas e das formas L., todas as bactérias possuem também uma parede celular. Algumas possuem ainda uma cápsula externa.

 

Parede celular

 

A parede celular, pela sua rigidez, forma um estojo que estabiliza a forma característica da célula, protegendo-a de agressões externas, nomeadamente das variações de pressão osmótica.Com excepção das bactérias halófilas, metanogénicas ou temoacidífilas (que se classificam como Arqueobactérias), o composto principal da parede bacteriana é o peptidoglicano. O peptidoglicano constitui assim o monómero de uma densa rede macromolecular. É composto, ele próprio,pela N-acetilglucosamina e pelo ácido N-acetilmurâmico, associados a aminoácidos em quantidades variáveis.

 

 

Esta estrutura de base da parede das bactérias é mais ou menos importante e completada por constituintes variáveis, mas específicos de cada espécie bacteriana. A composição e a estrutura da parede celular determinam o comportamento da célula face a um dos métodos de coloração bacteriológicos: a coloração de Gram. Distinguem-se deste modo dois grupos principais de bactérias: as bactérias gram-positivas, que se deixam corar pela coloração de Gram, e as paredes das bactérias gram-negativas.

 

Esquema das paredes celulares em bactérias Gram positivas e Gram negativas

 

As bactérias gram-positivas possuem uma parede espessa e homogénea, ligada e encostada directamente à face externa da membrana plasmática. Nestes casos, não existe espaço periplasmático. A espessura destas paredes pode atingir 100 nm e representar até 30% do peso seco da célula.

Pelo contrário, a parede das bactérias gram-negativas é formada por dois folhetos: o folheto interno, constituído por uma delgada camada do complexo de peptidoglicano (não excedendo 20 nm de espessura) e não encostado à membrana plasmática; o folheto externo, também designado por membrana externa dada a sua estrutura ser semelhante à de uma membrana unitária (constituída por liposacáridos e lipoproteínas). A coesão entre os dois folhetos estabelece-se através de lipoproteínas integradas no folheto externo e ligadas por ligações covalentes a peptidoglicanos. No folheto externo existem ainda canais proteicos que franqueiam a passagem à água e a diversos metabolitos.

A diferença de comportamento das duas paredes relativamente à coloração de Gram reside essencialmente na técnica de coloração utilizada e não na afinidade das duas paredes para o corante. Com efeito, ambas as paredes são coradas pelo corante de Gram (violeta de genciana e lugol). Contudo, no final, as células são lavadas com um solvente (álcool ou acetona) que dissolve e elimina o folheto externo das bactérias gram-negativas. Se bem que a parede mucossacarídica subsistente seja suficientemente rígida para garantir a integridade da célula, pela sua espessura delgada, ela não retém suficientemente o corante. Pelo contrário, as bactérias Gram positivas retêm o corante nas suas espessas paredes.

A lisozima, enzima presente em meios biológicos tais como secreções (lágrimas, saliva, muco nasal, clara do ovo, etc.) ou no citoplasma das células fagocitárias, hidrolisa o peptidoglicano e, consequentemente, destroi a parede. Desprovidas de parede, as bactérias transforma-se em protoplastos, extremamente vulneráveis às variações da pressão osmótica.

A acção da penicilina conduz ao mesmo efeito, não porque destrua o peptidoglicano, mas porque inibe a sua síntese, durante o crescimento bacteriano.

A acção lítica da lisozima ou a inibição de síntese do peptidoglicano pela penicilina conduz, nas bactérias gram-negativas, à formação de esferoplastos. Estes são equivalentes aos protoplastos das bactérias gram-positivas, com a diferença que conservam o folheto externo. Estas formas de bactérias tornadas deficientes de parede podem, em cultura, reconstituir a parede. As formas espontaneamente deficientes, designam-se por formas L.

 

Cápsula

 

Algumas espécies bacterianas elaboram uma volumosa cápsula de natureza polissacarídica (cuja espessura ultrapassa muitas vezes a própria espessura da célula). Esta cápsula desempenha um papel determinante na resistência à ingestão e à digestão pelas células fagocitárias nos processos infecciosos, ou participa na aderência dos organismos entre si ou ao substrato. É particularmente o caso do pneumococus Streptococcus pneumoniae.

 

Membrana plasmática

 

A membrana plasmática encontra-se encostada ou ligeiramente afastada da camada de peptidoglicano pelo espaço periplasmático. A estrutura desta membrana é semelhante à das células eucarióticas, registando-se contudo uma diferença na sua composição: o colesterol, geralmente ausente nos procariontes, é substituído por uma molécula semelhante a um esteroide, um hopanoide.

Na célula bacteriana, a membrana é suporte de grande parte da actividade metabólica e assegura, nomeadamente a cadeia da fosforilação oxidativa (respiração, nas bactérias aeróbias). Para além disso, assegura, como nas células eucarióticas o transporte selectivo de moléculas e a saída dos enzimas responsáveis pela síntese da parede celular.

Em algumas células, a membrana forma pregas e invaginações que aumentam muito a sua superfície, denominadas mesossomas. Embora subsistam dúvidas sobre a função dessas estruturas, formula-se a hipótese de serem zonas de intensa actividade respiratória.

À superfície das bactérias encontram-se filamentos proteicos longos, com 20 nm de diâmetro. Uns são implicados nos processos de aderência das bactérias entre elas ou a substratos; são designados por fímbria; outros, intervêm na transferência de material genético entre bactérias; são designados por pili sexuais. Alguns autores designam ambos por pili (pilus, pili)

 

Citoplasma

 

O citoplasma da célula bacteriana ocupa todo o espaço intracelular. É um meio viscoso, rico em proteínas, no qual se encontram numerosos ribossomas de tipo 70S (semelhantes aos que se encontram nas mitocôndrias) e inclusões de diversa natureza. Não contem nem organitos membranares, nem vacúolos.

Entre as diversas inclusões detectáveis no citoplasma, referem-se: os grãos de glicogénio e de poli-b-hidroxibutirato, que constituem reservas de carbono; os grãos de cianoficina, próprios das cianobactérias, que são reservas de azoto sob a forma de aminoácidos; os carboxissomas, presentes em muitas cianobactérias e bactérias nitrificantes e que são reservatórios de ribulose-1,5-difosfato carboxilase, enzima específica do mecanismo bioquímico de fixação do CO2; os magnetossomas, partículas de magnetite e que proporcionam orientação no campo magnético terrestre; ou ainda os vacúolos de gás, que são organitos de flutuação.

 

Genoma

 

O genoma bacteriano ocupa a região central da célula, designada por nucleoide; é constituído por uma única molécula de ácido desoxirribonucleico (ADN), bicatenária e fechada em anel, o cromossoma bacteriano, comumente colado à membrana plasmática. Em Escherichia coli, a molécula de ADN tem 2 nm de diâmetro e 1,2 mm de comprimento. Uma tão longa molécula (cerca de 500 vezes mais longa que a própria célula), ocupa um espaço diminuto; para tal, encontra-se profundamente enovelada.

O cromossoma não é o único repositório de informação. Existem ainda pequenos anéis de ADN, designados por plasmídeos, geralmente todos idênticos, com autonomia de replicação relativamente ao cromossoma. Os plasmídeos são responsáveis por características específicas tais como (i) a capacidade de fixação do azoto atmosférico, protagonizado pelas bactérias do  género  Rhizobium, (ii) a resistência a antibióticos, (iii) a produção de toxinas ou ainda (iv) o catabolismo de substâncias carbonadas como os hidrocarbonetos. Os plasmídeos são transferíveis de uma bactérias a outras, não só através da divisão celular, mas também através de estruturas tubulares, os pili sexuais, que estabelecem a ponte entre duas bactérias.

 

Membranas fotossintéticas, clorossomas e tilacoides

 

A fotossíntese é uma função existente em muitas bactérias, umas anoxigénicas (que não libertam oxigénio) como as bactéria púrpura e as bactérias verdes; outras oxigénicas (que produzem oxigénio), como as cianobactérias. Todas possuem pigmentos fotorreceptores, mas as estruturas em que estes se localizam são diferentes.

Nas bactérias púrpura, os pigmentos fotorreceptores (clorofilas bacterianas a e b) encontram-se instalados em sistemas membranares resultantes da hipertrofia e pregueamento da membrana plasmática. Nas bactérias verdes, os pigmentos (clorofilas bacterianas a, c e outras) encontra-se localizados em corpúsculos elipsoides designados por clorossomas. Embora se encontrem encostados à membrana plasmática,  os clorossomas são limitados por membrana diferente da membrana unitária. Nas cianobactérias, a clorofila (clorofila a) localiza-se em membranas sobrepostas (dependentes da membrana plasmática ?) designadas por tilacoides, aos quais se associam partículas de ficocianina, os cianossomas, onde se localizam os pigmentos do grupo das ficobilinas.

 

Esquema de uma bactéria hipotética que reunisse em si todas as principais estruturas referidas

 

Flagelos

 

Sendo grande a diversidade do Reino Monera, encontram-se bactérias que possuem características muito diversas. Algumas são dotadas de capacidade de locomoção. Para tanto, dispõem de um ou mais flagelos, com cerca de 20 nm de diâmetro. As espiroquetas possuem um conjunto vasto de flagelos, enrolados externa e helicoidalmente em volta da célula, denominados flagelos periplasmáticos.

Os flagelos estão ancorados através de uma estrutura que atravessa a parede celular, o espaço periplasmático e a membrana plasmática, designada por corpo basal. Sobre este corpo basal actua um motor molecular, igualmente ancorado na membrana plasmática.

 

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